Edição 52
Reflexivo
Os almanaques eram publicações anuais que traziam de tudo, das fases da lua até remédio para unha encravada. Isto aqui é uma versão em pílulas semanais. Nesta edição: praga de estátua, conversa de fraude, anjos chorões, golpes cinematográficos, Churchill e Mujica, espelho bem-lavado, e galáxia brilhando.
Em 2014, a Câmara dos Deputados inaugurou um busto em homenagem a Rubens Paiva, deputado torturado e assassinado pelo regime militar em 1971. Segundo o neto do homenageado, Chico Avelino Paiva, o deputado Jair Messias Bolsonaro saiu de seu gabinete gritando que Rubens Paiva “teve o que mereceu, comunista desgraçado, vagabundo!”. Para espanto de todos os presentes, deu uma cusparada na estátua e seguiu em frente.
Bolsonaro nutria um ódio figadal de Rubens Paiva desde a infância. Segundo Mito ou Verdade, livro do filho Flávio, a diferença de classe incomodava o paupérrimo Jair quando vivia em Eldorado (SP), cidade dominada política e economicamente pelo pai de Rubens, o fazendeiro e prefeito Jaime de Almeida Paiva. Rubens, porém, era brigado com o pai conservador e raramente ia à fazenda. Contra todas as investigações do próprio regime militar, Jair passou a vida dizendo que a família de Rubens Paiva escondera o guerrilheiro Carlos Lamarca em sua fazenda.
Em 2024, Jair Bolsonaro, ex-presidente do Brasil (2019-2023), foi incluído em relatório final de investigação da Polícia Federal como partícipe de organização criminosa que pôs em curso plano de golpe de estado. Também está inelegível por 8 anos.
Neste mesmo ano, a vida da esposa e dos filhos de Rubens Paiva ganhou as telas de cinema. Ainda Estou Aqui, de Walter Salles, tornou-se grande bilheteria nacional e premiado internacionalmente. Também entrou nas bolsas de apostas para o Oscar hollywoodiano.
Moral da história: Praga de estátua demora mas pega.
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Na série de ficção-científica britânica Doutor Who (1963- ), alienígenas com a aparência de estátuas de anjos chorões têm o poder de mandar para um passado distante todos em que tocarem.
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"Não temos provas, vou deixar bem claro”, anunciou o presidente Jair Bolsonaro em transmissão pela internet de 29 de julho de 2021, após três anos clamando que tinha provas de problemas nas urnas eletrônicas.
“Vou fazer uma reunião quinta-feira com embaixadores, semana que vem com mais, vou convidar autoridades do... do judiciário, pra outra reunião, pra mostrar o que tá acontecendo. (...) Não tem como esse cara ganhar a eleição no voto. Não tem como ganhar no voto”, disse o presidente em reunião com seu gabinete de 05 de julho de 2022, dias antes de convocar embaixadores de vários países para contar informações falsas sobre as urnas eletrônicas.
“É o Exército que não admite corrupção, não admite fraude. Que quer transparência, que merece respeito. E que vai ter”, ameaçou o candidato a reeleição Jair Bolsonaro em convenção do PL de 24 de julho de 2022.
“Nada… nenhum indício de fraude”, escreveu o ajudante de ordens do presidente, tenente-coronel Mauro Cid, em mensagem de 04 de outubro de 2022 durante planejamento do golpe de estado. Confirmava o que missões internacionais já haviam atestado após o primeiro turno.
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No cinema norte-americano, durante a Guerra Fria, houve um subgênero de filmes que imaginava golpes de estado — reais ou alegóricos.
Era o auge da paranoia comunista. No entanto, os comunistas de Sob o Domínio do Mal (John Frankenheimer, 1962) agiam em colaboração com um senador republicano — inspirado no anticomunista senador Joseph McCarthy — e sua esposa — baseada no advogado de McCarthy e futuro mentor de Donald Trump, Roy Cohn.
Em Sete Dias de Maio (também de John Frankenheimer), do mesmo ano do golpe militar no Brasil, os comunistas nem se envolvem. Um grupo de militares linha-duríssima resolve tomar o poder porque o presidente é a favor do desarmamento nuclear. Tanto aqui quanto em Sob o Domínio do Mal, e ao contrário do golpe de 2022, dois oficiais militares tentam neutralizar os golpistas.
Já no terror de ficção científica Vampiros de Almas (Don Siegel, 1956), pessoas vão sendo substituídas por suas réplicas perfeitas, na verdade alienígenas sem emoções. Quando os heróis descobrem, é tarde demais. No auge da caça às bruxas anticomunista, o filme pôde ser lido como tanto uma alegoria anticomunista quanto uma denúncia da caça às bruxas. O final, em que o golpe extraterrestre é bem-sucedido (ao contrário do romance original), perturbou tanto que adicionaram um final feliz.
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Calma! Este refletido na sua frente não é um alienígena! Você só se esqueceu de limpar bem o espelho. Antes de começar, tire a poeira. Prossiga diluindo algumas gotas de detergente, quatro ou cinco, em 100ml de água, de preferência morna, para tirar manchas. Umedeça nessa solução um pano que não solte fiapos e passe no espelho. Nada de buchas, pois podem arranhá-lo! Seque a superfície logo em seguida. O álcool pode ser uma alternativa, mas para evitar surpresas, melhor fazer uma solução com 1/4 xícara de álcool 70º, meia xícara de vinagre (de álcool ou maçã), e duas xícaras de água.
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Separados no berço: o ex-presidente Jair Bolsonaro, investigado pela Polícia Federal e condenado pela Justiça Eleitoral, e o produtor teatral Max Bialystock (Zero Mostel), preso por tentativa de fraude fiscal em Primavera para Hitler (Mel Brooks, 1968).
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Agora sem reflexo. No início do século XXI, o Telescópio Hubble conseguiu uma imagem da gigantesca galáxia Sombrero com um brilho tão intenso que mal se via o que tinha dentro.
No fim de 2024, o James Webb, um telescópio espacial muito mais potente, revelou um anel com um disco interior muito menos extravagante, de brilho discreto: o núcleo é um buraco negro de nove bilhões de massas solares.
Já foi dito que a democracia é a pior forma de governo exceto por todas as outras já tentadas até hoje.
O primeiro-ministro britânico Winston Churchill, em discurso de 1947, resumindo melhor uma ideia já formulada diversas vezes antes.
A democracia é o melhor sistema que inventamos até agora, mas é uma porcaria, porque nos promete legalmente algo que está longe de ser concretizado.
O ex-presidente uruguaio Pepe Mujica, em entrevista à BBC onde defende a democracia.
Jogando de forma incondicional dentro das quatro linhas, com base em disposições expressas da Constituição Federal de 1988, declaro o Estado de Sítio; e, como ato contínuo, decreto Operação de Garantia da Lei e da Ordem.
Trecho de minuta de decreto apresentada pelo presidente Bolsonaro ao comandante do Exército, general Marco Antônio Freire Gomes, em 7 de dezembro de 2022.
O senhor me desculpe a expressão, mas quatro linhas é o caralho.
O coronel reformado Reginaldo Vieira de Abreu, impaciente em bate-papo sobre golpe de estado com o general reformado Mário Fernandes, em novembro de 2022.