Os almanaques eram publicações anuais que traziam de tudo, das fases da lua até remédio para unha encravada. Isto aqui é uma versão em pílulas semanais. Nesta edição: as bruxas do Rei James e de Shakespeare, os sumiços de Greta e Paul, a transformação católica, a tradição identitária, a confraria sino-americana, Fernanda Montenegro, Dorothy Parker, manjericão, e outros feitiços.
Phôgu contra fogo. Antes de se tornar o Rei James I da Inglaterra (em 1603), o Rei James VI da Escócia já via bruxas em todo canto. Quando foi buscar sua noiva na Dinamarca em 1590, achou que as tempestades do Mar do Norte que acossaram seu barco eram obra das esposas do demônio. A partir daí, várias mulheres foram presas e confessaram, sob tortura pesada, as histórias mais cabeludas de feitiçaria. No ano seguinte, James e sua corte já haviam posto na cabeça que uma conspiração sobrenatural queria derrubá-lo.
Novo pânico tomou conta do rei meia década depois. Desta vez, recorreu aos serviços de Margaret Aitken, que alegava conseguir encontrar e matar no gogó outras bruxas. A paranoia fez o emprego de caçadores das trevas ficar em alta — pelo menos até descobrirem que Aitken era uma fraude. Porém, James VI já tinha uma nova arma para justificar todos aqueles julgamentos e refutar obras dos céticos: ele escreveu seu próprio tratado das artes das trevas, Demonologia (1597).
Deu certo. Quando assumiu o trono de Inglaterra e Irlanda, a obra foi republicada. E agora que provara ser bom de estudos demoníacos e relações públicas, pôde encomendar também uma tradução do Livro Sagrado, a famosa Bíblia do Rei James (Jaime ou Tiago, em português), de 1611.

Demonologia foi a fonte a que William Shakespeare recorreu para escrever as bruxas de Macbeth (1605-6), ou como dizem os supersticiosos do teatro, “a peça escocesa”.
Há várias teses para a sangrenta caça às bruxas de três séculos na Europa. Dois economistas recentemente apresentaram a sua: competição no mercado. O negócio do Sacro Império Romano era a salvação. Quando Martinho Lutero denunciou o fausto da Igreja e pregou uma fé mais austera, os pulverizados reinados alemães responderam positivamente. A popularidade do protestantismo impedia que a Igreja usasse a carta da heresia pura e simplesmente. Para ganhar almas e corações, os dois lados se jogaram em guerras e fogueiras. Como mostram Peter Leeson e Jacob Russ, o número de julgamentos e cadáveres de bruxas deu um salto gigantesco durante o período da Reforma e da Contra-Reforma. E esses eventos coincidem no tempo e no espaço com as batalhas confessionais. A crença em bruxas já existia na Idade Média, mas só no século XVI elas provaram ser bom negócio — para uns.
Segundos de sabedoria
Desespero é descobrir que “alento” rima com “agourento”; esperança é o vice-versa.
Neocatólicos. A América Latina ainda possui a maior população católica do mundo, mas a imagem do fiel conservador que exige missa em latim e virgindade à prova de bala é ilusória, segundo pesquisa que incluiu Argentina, Brasil, Chile, Colômbia, México e Peru, além dos Estados Unidos. Apesar de o Papa Francisco ter perdido popularidade na região, o católico latino-americano é majoritariamente a favor de controle de natalidade, do ordenamento de mulheres padres (madres?), e do recebimento da comunhão por casais não-casados. (Os mexicanos vão na direção contrária.) Pelo menos metade da população nesses países dá sinal verde para o fim do celibato sacerdotal, com Peru e México na contramão. Para argentinos e chilenos, até casamento de pessoas do mesmo gênero está valendo.
A menor porém considerável população católica norte-americana (20%) também está ficando mais liberal, especialmente entre os jovens. Isto significa um desafio para a Igreja Católica, pois segundo seu próprio levantamento, a maioria dos novos padres tende a ser mais tradicionalista e conservadora, inclusive em relação aos sacerdotes veteranos.

Separadas no feitiço: Fernanda Montenegro, fotografada por Antonio Guerreiro em 1978, e Silvana Mangano, em foto promocional do filme As Bruxas (Luchino Visconti, Franco Rossi, Mauro Bolognini, Pier Paolo Pasolini, e Vittorio de Sica, 1967).


Identitarismo pra cá, identitarismo pra lá. Mas identitarismo mesmo é criação francesa, cozinhada desde a década de 1960, que desembocou num movimento extremista com nome de banda de rock, Les Identitaires, em 2003. São basicamente antimiscigenação e anti-imigrantes, e mais basicamente ainda, antimuçulmanos; em favor de uma identidade nacional pura — seja lá o que isso queira dizer, já que os muçulmanos estavam ali cidadãos já após a Revolução Francesa. A coisa chegou à Alemanha, claro, onde também defendem o etnopluralismo — cada região pertence a sua etnia histórica, seja lá qual época histórica eles usem para definir essa etnia — sob uma fachada enganosa de tolerância e não-violência. O maior expoente do movimento no mundo germânico é um austríaco, claro.
Feitiços protetores em vasos: alecrim, avenca, babosa, cacto, crisântemos, espada-de-são-jorge, guiné, hortelã, jasmim-manga, lavanda, manjericão, pimenteira.

Abaixo o etarismo! Certa vez, a atriz sueca Liv Ullmann estava em Nova York para encenar a peça Anna Christie na Broadway. Eis que vê na rua uma senhora familiar e não tem dúvida: corre ao seu encalço. Ela precisava contar que estava interpretando a mesma personagem que a conterrânea à sua frente tornara famosa no cinema em 1930. (“Garbo Fala!”, prometia o cartaz.) Porém, a septuagenária Greta provou estar em grande forma, deixou a jovem Liv para trás, e desapareceu entre as árvores do Central Park. Acabou no Irajá, dizem.
Não fui ver, por medo de morrer de velhice.
Ruy Castro, sobre a perspectiva de ver no cinema as 15 horas e 21 minutos de Berlin Alexanderplatz (Rainer Werner Fassbinder, 1980), que era originalmente uma minissérie para a TV alemã.
Que inferno novo será esse?
Dorothy Parker, toda vez que alguém batia à sua porta.
Isso aqui está reduzido a um circo de cavalinhos...
Osório Duque Estrada, o da letra do hino nacional brasileiro, ao ouvir o discurso de Graça Aranha em defesa do espírito moderno na antiquada Academia Brasileira de Letras, em 19 de junho de 1924.
E você é o cavalo!
Agripino Grieco, em resposta a Duque Estrada.