Os almanaques eram publicações anuais que traziam de tudo, das fases da lua até remédio para unha encravada. Isto aqui é uma versão em pílulas semanais. No cardápio desta edição: segurança à la Brasília, minimalismo à japonesa, retratação à la Nobel, jornalismo à Jackass, fronteiras à Transnístria, investigação à TCU, robotáxis à chinesa, e outras ideias conflituosas.
Esses adolescentes de hoje… não são diferentes dos de antigamente. Analisando a maturação dos ossos de 13 indivíduos da Era do Gelo (há 25 mil anos) que morreram na adolescência, a pesquisadora April Powell percebeu que a maioria chegou à puberdade cedo, por volta dos 13 anos e meio.
Você pode até escrever um livro sobre como a internet está causando uma epidemia de transtornos mentais, mas isso não quer dizer que a internet esteja causando uma epidemia de transtornos mentais. O problema com provas é que você não pode escolher usar só as que lhe convêm. No caso da internet, o que a literatura científica mostra é complicado. Há de tudo: o uso de redes sociais pode ter diminuído o número de suicídios para certos grupos, mas os algoritmos desses aplicativos expõem adolescentes a problemas de imagem, predadores, e depressão. Há outros fatores que atormentam os jovens: economia contra eles, pandemia, violência, crise climática.
E há o viés do pânico moral causado por toda tecnologia nova. Antes da internet e das redes sociais, houve os video games, televisão, e até a literatura de ficção aterrorizando pais e educadores.
A Transnístria fica entre a Moldávia e a Ucrânia. Tem bandeira, moeda, população (500 mil), e passaporte. Ainda assim, a Transnístria não é um país. Entrou numa guerra separatista com a Moldávia em 1992, na confusão de nacionalismos que se seguiu à dissolução da União Soviética. meteu uma fronteira improvisada, mas o direito internacional não reconheceu a sua independência. Como o exército russo ajudou na revolta, os transnístrios vivem implorando para que a Rússia os anexe. O Kremlin faz que não é com eles. Com a Rússia encalacrada até o pescoço na invasão da vizinha Ucrânia, a última coisa desejável é outra frente de batalha ali perto com a Moldávia, que é candidata a membro da União Europeia.

O Tribunal de Contas da União é um órgão externo de fiscalização das contas do governo federal brasileiro.
Para fazer parte do TCU, é necessário ter “idoneidade moral e reputação ilibada; notórios conhecimentos jurídicos, contábeis, econômicos e financeiros ou de administração pública”, segundo artigo 73 da Constituição Federal.
O mais recente ministro nomeado estava sendo investigado por desvio de verbas durante a pandemia e por ligação com chefes de saúde do território ianomâmi suspeitos de negligência. Outro conta com família que recebeu benefícios do presidente Jair Bolsonaro.
Em 2017, o TCU ordenou ao Exército Brasileiro que criasse um sistema nacional de fiscalização de armas de fogo e munições. É 2024 e nada de sistema.
Os auditores do TCU, isto é, a área técnica do órgão, sugeriram audiência com os cinco generais que passaram pelo setor de fiscalização para explicar o ocorrido. Haviam encontrado indícios de responsabilidade.
Os ministros do TCU decidiram por unanimidade que não vão investigar os generais que descumpriram sua ordem.
Em outubro de 2024, a Comissão de Segurança Pública do Senado, preocupada com a segurança de crianças e adolescentes brasileiros, aprovou projeto de lei que obriga instituições do ensino básico a fazerem treinamento de prevenção contra ataques de atiradores. Nos EUA, que inspiraram medidas de segurança do tipo, ataques a escolas não diminuíram. Um estudo mostrou que esse treinamento pode piorar a saúde mental das crianças.
Em agosto deste mesmo ano, a Comissão de Constituição e Justiça do Senado, preocupada com a segurança de crianças e adolescentes brasileiros, aprovou em 30 segundos mudança em regulamento para permitir clubes de tiro a menos de um quilômetro de escolas.
Os robotáxis — ou veículos autônomos — na China são um sucesso, mas eles só funcionam porque a lei do país exige que haja, pelo menos, um observador/controlador remoto humano para cada três desses carros na rua.
Separadas na tormenta: a correspondente da GloboNews nos EUA, Raquel Krähenbühl, cobrindo o furacão Milton na Flórida em 2024, e a modelo Nana Gouvêa, sensualizando após passagem do furacão Sandy por Nova York em 2012.


Repetindo anos anteriores, dezenas de repórteres, como Anderson Cooper, apareceram em frente às câmeras no olho do furacão para mostrar a experiência de se estar dentro de um furacão. Juntaram-se a eles TikTokers e YouTubers, o que deu à coisa um ar mais claro de episódio de Jackass, a famosa série em que os apresentadores se desafiavam a realizar façanhas extremas e irresponsáveis.
Especialistas em riscos e furacões contestam a utilidade desse tipo de reportagem — as informações úteis mesmo são dadas por climatologistas e meteorologistas em estúdios. Em 2010, um repórter morreu atingido por pedras ao chegar muito perto do vulcão em erupção Pacaya, na Guatemala. Em 2018, dois jornalistas morreram na Carolina do Norte (EUA) quando uma árvore caiu sobre seu carro durante a cobertura da tempestade Alberto.
Galeria de pessoas em conflito consigo mesmas:
Senadora Tereza Cristina (PP-MS), que tentou inserir pontos (em vão) para descaracterizar projeto de lei de prevenção e combate às queimadas enquanto o Mato Grosso do Sul ardia em chamas, para desespero também dos fazendeiros que ela diz defender.
Jornalistas e órgãos de imprensa que ainda usam o XTwitter regularmente apesar de cada vez menos usuários da rede social consumirem notícias lá ou pularem para portais de imprensa, num processo contínuo desde 2020.
Embora pareça um contrassenso, uma quantidade razoável de cientistas premiados com o Nobel já teve que se retratar por um artigo publicado ao menos uma vez na vida. O recordista até agora é Gregg Semenza, com 13 trabalhos retirados de circulação até agora, principalmente por imagens e dados duplicados.
Há um único caso de vencedor do prêmio que admitiu erro para se descobrir que estava correto décadas depois. Foi o Nobel de Química de 1979, Georg Wittig. Em 1960, ele e Volker Franzen publicaram um estudo sobre um método para adicionar um átomo de carbono a um hidrocarboneto insaturado. O próprio Wittig pediu a uma aluna que replicasse o experimento. Ela não conseguiu, ele aceitou o resultado, e o artigo dele foi esquecido. Em 2024, a equipe de Peter Chen, de Zurique, conseguiu replicar o resultado original de Wittig e Franzen — após cinco anos de tentativas. O problema, alheio a Wittig e sua aluna, era a falta de níquel como catalisador do experimento.
Quem vê fachada, não vê confusão. O Japão é conhecido e apreciado no Ocidente por uma ideia de minimalismo e existência frugal, ressuscitada recentemente pelo sucesso dos programas e livros de arrumação de casa da consultora Marie Kondo. Nem por isso os japoneses são organizados, minimalistas, e frugais. Eles cunharam várias palavras para traduzir o seu hábito de juntar coisas, como gomi-yashiki (mansão de lixo) e afure-dashi (aquilo que transborda). Provas desse costume estão nas fotos que Kyoichi Tsuzuki tirou das casas de Tóquio para seu livro Tokyo Style (1993); e na réplica do escritório do pai dos Estúdios Ghibli, Hayao Miyazaki, no Museu Ghibli de Tóquio.
Eu me contradigo? / Pois bem, eu me contradigo. / (Sou grande, contenho multidões.)
Walt Whitman, na Canção de Mim Mesmo (1855-92).
Jesus Cristo diz: conhece a tua verdade e a verdade te libertará. Mas as religiões, sobretudo as que aparecem nos últimos tempos, dizem: ignora a tua verdade e segue-me, que te vou dar a chave do paraíso.
Paulina Chiziane, em entrevista (2016) ao jornal moçambicano O País.