Os almanaques eram publicações anuais que traziam de tudo, das fases da lua até remédio para unha encravada. Isto aqui é uma versão em pílulas semanais. Nesta edição: os plágios-capitus de Machado, o astrólogo morto-vivo, o Power Balance, a possuída de Taubaté francesa, a planta que não era de plástico, as citações que eram, a promessa do lixo e dos coaches, a usina cenográfica, e outros personagens por quem colocar a mão no fogo.
A Macedônia do Norte é um dos três países mais pobres da Europa (em renda per capita de 2020). É também uma potência. Com poucas perspectivas, jovens conseguiram ganhar milhares de dólares sem sair de casa, fabricando histórias falsas para consumo dos incautos na internet. Notícias para agradar os eleitores de Donald Trump foram um dos grandes filões desse negócio. Nas eleições de 2024, eles se reinventaram vendendo “cartões de débito” do candidato à presidência dos EUA.
Elas têm a mesma raiz nas palavras latinas sub e ponere. Portanto, “suposto” e “supositório” podem ser definidas, de forma geral, ampla e irrestrita, como “aquilo que é posto embaixo”.
Em 2010, a Política Nacional dos Resíduos Sólidos estipulou que os lixões brasileiros seriam extintos até 2014. Em 2020, o Novo Marco Legal do Saneamento Básico previu que nenhum município brasileiro teria lixões em 2024.
É 2024. Há 3 mil lixões espalhados pelo país.
Quem nunca? Em 1860, Machado de Assis, com 20 anos, pode ter cometido, no dizer diplomático da pesquisadora Élide Valarini Oliver, “intertextualidade que transgride vários dos pressupostos que se assumem como característicos dessa intervenção textual”; no dizer popular, plágio. Foi num artigo para a edição 1158 do periódico fluminense A Marmota. O escritor usou como base uma resenha francesa de um livro onde se relata uma visita a um abatedouro de porcos nos EUA. Noves fora sinônimos, paráfrases, e enxertos artísticos, a crônica usa a mesma estrutura, os parágrafos, e as mesmas passagens e descrições da resenha sem citar a fonte.
Não seria a única vez em que Machado faria isso: Queda que as Mulheres Têm para os Tolos (1861), foi publicada em série na mesma A Marmota sem autor ou indicação de que se tratava de tradução do original de Victor Hénaux. Sua encadernação foi outra façanha: uma tradução que não credita o autor traduzido.
E Dom Casmurro, o da Capitu, pode ser visto como uma reescrita radical do Otelo de Shakespeare. Ou não.
Com 21 anos, Michelangelo Buonarroti esculpiu o Eros Adormecido (1496), cuidadosamente preparado para parecer bem vintage. Sim, o artista italiano começou a carreira como um falsário de arte numa época em que chique mesmo era ter uma obra da Roma antiga. Conseguiu vendê-la por um intermediário ao Cardeal Riario, ávido colecionador de arte clássica. Quando Riario percebeu que fora enganado, devolveu a estátua. Neste intervalo, Michelangelo já tinha ficado famoso com a Pietà na Basílica de São Pedro, e o intermediário revendeu a falsificação, agora sob o nome do falsário-artista, por um valor igualmente salgado.
O primeiro teste placebo controlado foi realizado no Vale do Loire (França) em 1599. Uma equipe de médicos enviada pelo rei foi investigar uma garota protestante que se dizia possuída. Submeteram-na à ação de objetos consagrados ou não. Deu negativo: a moça reagiu igual a tudo indiscriminadamente. Infelizmente, a Igreja Católica despachou sua própria equipe, que chegou à conclusão oposta com exames batizados.
Cristiano Ronaldo tinha uma. Rubens Barrichello também. E Lindsay Lohan. E muitas outras celebridades, assim como anônimos, transformaram as pulseiras Power Balance num fenômeno em 2010. O acessório foi promovido como um milagre, que restaurava força, foco, flexibilidade, e quantas maravilhas em F o leitor conseguir pensar — tudo numa pulseira com dois hologramas que “interagem de forma positiva com o campo magnético do corpo”, segundo seus criadores. Tudo conversa, claro, mas quem tem fé tem o efeito placebo no comando. Reclamações de associações de consumidores e estudos científicos forçaram a empresa a confessar que não havia nada naquele pedaço de silicone colorido a não ser projeção.
Uma planta chegou a um acordo com os mosquitos. A Arisaema os atrai com cheiro de cogumelos de araque e aprisiona-os dentro dela. Desesperados, esses insetos começam a soltar néctar… e ovos. Assim, quando a planta vai morrendo, as larvas se alimentam de sua carne em decomposição para crescerem e ficarem fortes, no caso mais inusitado de roubo de bebês da natureza.
Ela parece plástico, comporta-se como plástico, mas não é de plástico. Já se sabia que a notável trepadeira Boquila trifoliolata, vulgo pilpil, conseguia imitar as folhas das árvores e outras plantas aonde ela se agarra — uma propriedade conhecida como mímica batesiana, incomum no mundo vegetal, afinal plantas não têm exatamente os mesmos sentidos de um camaleão. Ou têm? De qualquer forma, o repertório da moça é impressionante: já se identificaram dúzia e pouco de disfarces. O biólogo Felipe Yamashita levantou a hipótese de que suas células lhe dariam uma forma rudimentar de visão. Para testar essa teoria, colocou a pilpil com uma vizinha de plástico, e qual não foi sua falta de surpresa quando ela pôs seus consideráveis talentos em prática. A teoria sensorial, porém, é polêmica, afinal ninguém ainda achou qualquer tipo de sinapses em vegetais. O descobridor do singular atributo da planta, Ernesto Gianoli, tem outra linha de investigação: a vigarista pode ter micróbios engenheiros como cúmplices.
Seja você também um cientista renomado por um preço módico. Um grupo de pesquisadores criou um perfil falso de acadêmico e comprou na internet cinco dezenas de citações para acolchoar o currículo fictício por 300 dólares.
Você também pode optar por um esquema mais comunitário, no estilo uma-mão-lava-a-outra ou, como se diz na China, guanxi (ajuda mútua). Basta citar o máximo de trabalhos de seus colegas de instituição e amigos nos seus artigos mesmo que os trabalhos deles sejam irrelevantes para sua pesquisa.
Antes, você precisará de um título. Plagiarize ou pague alguém para escrever uma dissertação de doutorado novinha, práticas comuns entre ministros de estado da União Europeia.
Se tudo o mais falhar, invente um mestrado na universidade de Yale e veja se cola.
Em junho de 2024, com pompa, fanfarra e circunstância, Bill Gates e Satya Nadela, o co-fundador e o CEO da Microsoft respectivamente, anunciaram, numa cidadezinha do Wyoming (EUA), o início da construção da mais nova usina de geração de energia da TerraPower, a empresa de energia nuclear de Gates, com um reator revolucionário para saciar a sede monstruosa da inteligência artificial da Microsoft.
“Este é um grande passo para uma energia de zero carbono, abundante, e segura”, proclamou Gates. “E é importante para o futuro deste país que projetos como este tenham êxito.”
O futuro, porém, vai demorar. A Comissão Nuclear dos EUA ainda não concedeu o alvará para construção do reator — a TerraPower deu entrada no pedido em março e o processo deve levar dois anos. Outras tentativas recentes de construir reatores menores e mais eficientes foram abandonadas porque os custos sempre saem maiores que o previsto. E a usina de Gates precisa de um tipo de urânio barato cuja tecnologia de enriquecimento só existe em escala necessária na Rússia — aquela mesma em guerra quente com a Ucrânia e fria com os EUA desde 2022. Ninguém sabe ainda onde vai acomodar o lixo da usina. E enquanto a TerraPower produz sua energia de zero carbono, a Microsoft está promovendo sua IA para petrolíferas como Exxon Mobil e Chevron prospectarem petróleo, isto é, queimarem mais carbono.
Música para a TerraPower:
O boato infundado de que haitianos estariam comendo animais de estimação nos EUA ainda por cima é reciclado. Entre 2021 e 2022, o presidente Jair Bolsonaro repetiu umas três dezenas de vezes a mesma coisa. Só mudou de endereço: no caso do brasileiro, eram os venezuelanos. Bolsonaro também carecia de originalidade. No século XIX, a acusação foi usada contra os imigrantes chineses nos EUA.
Segundos de sabedoria de coaches e príncipes da Nigéria
É prometendo que se recebe.
Separados no X: o empresário e ex-bilionário Eike Batista, dono do falido “império X” (OGX, EBX, MMX…), e o atual bilionário e teorista da conspiração de ultradireita Elon Musk, dono da rede social X. Musk quase chamou também o PayPal de X, mas o conselho da empresa orquestrou um golpe e o botou para fora do comando por incompetência.


Ligue djá. Em fevereiro de 1708, um certo astrólogo Isaac Bickerstaff publicou um almanaque (sem parentesco com este) em que anunciava a morte de seu famoso rival, John Partridge, em 29 de março. Chegado o fim do mês, Bickerstaff solta novo panfleto: como previra, Partridge tinha morrido. Não tinha, nem Bickerstaff existia a não ser como pseudônimo de Jonathan Swift, de As Viagens de Gulliver e outras sátiras. O objetivo do escritor foi alcançado: desacreditar Partridge, que levou vários dias tendo que desmentir a própria morte a quem o encontrava.
Cadê a sacanagem?
Cadê a malandragem??
Mas na hora H, vixe!
Tô vendo que você é muito gelo
E pouco whisky
Trecho da canção Muito Gelo e Pouco Whisky, de Frederico Nunes, Hugo Del Vecchio, Juliano Tchula, e Marília Mendonça.
Meu patrimônio líquido flutua, sobe e desce com os mercados e com os comportamentos e os sentimentos — até mesmo com os meus sentimentos.
Donald J. Trump, em depoimento à Justiça dos EUA, durante processo contra autores de um livro que contestava a sua posição de bilionário. (Ele perdeu. Certo mesmo apenas que ele é milionário.)
Era uma teoria intelectualmente consistente que permitia a seus adeptos fazer coisas matemáticas bonitinhas, então eu entendo a sedução da coisa para pessoas com grandes dons matemáticos.
Charles T. Munger (1924-2023), uma das metades da firma de seguros e investimentos Berkshire Hathaway, desdenhando da popular teoria econômica do mercado eficiente, segundo a qual os preços de mercado de um título estão aproximadamente corretos o tempo todo — algo que ele considera “maluquice” já que, argumenta, sua fortuna veio de apostar contra essa ideia.
Há mentiras que se vestem melhor que a verdade aos olhos da credulidade pública.
Camilo Castelo Branco, no conto “O Último Casamento”, da coletânea Doze Casamentos Felizes (1861).