Os almanaques eram publicações anuais que traziam de tudo, das fases da lua até remédio para unha encravada. Isto aqui é uma versão em pílulas semanais. Nesta edição: modéstia da Idade Média a Pablo Marçal, como limpar panelas e o governo Reagan, peitos e barrigas salientes, sonhos e mosquitos, e o Silvio Santos lará-lará lará, lará-lará lará-lará-lará…
No caso da Lua, é a mesma história. Lua Azul é a boa e velha Lua Cheia com cobertura de marketing. A superlua vem uns 14% maior por estar num ponto mais próximo da Terra.
Os ianomâmis vão buscar na interpretação de seus sonhos as decisões para seu futuro acordados. Os iorubás tradicionalmente usam fábulas e lendas para discutir dilemas éticos e nortear a vida real.
Uma vela está queimando. Na década de 70, Diana afagou corações cheios e partidos ao cantar romances conturbados e dramáticas separações. Na vida pessoal, Ana Maria Siqueira Iorio viveu uma história de amor à altura com o também bardo das paixões populares, Odair José. Um de seus maiores sucessos foi um lamento de despedida, Ainda Queima a Esperança, de Raul Seixas e Mauro Motta. Odair continua vivo. Raul morreu em 21 de agosto de 1989. Diana se foi exatos 35 anos depois — calada, tranquila, dormindo.
Uma arqueologia musical.
A partir de meados da década de 1980, Silvio Santos passou a iniciar o Show de Calouros do seu programa dominical com esta música. Uma maneira circense de dar o pontapé inicial no programa, apresentando seus jurados.
Tratava-se de uma adaptação do maestro Zezinho para uma canção com grande quilometragem em muitas línguas. Joelma gravou a primeira versão brasileira em 1969.
Todas derivavam de um grande sucesso das paradas mundiais de 1968, Those Were the Days (Os Bons Tempos), cantada pela galesa Mary Hopkin. No ano em que o mundo pegou fogo com protestos contra guerras e o sistema, uma música nostálgica de um mundo filtrado pelas lentes cor-de-rosa da memória tocou fundo. Foi o maior sucesso da Apple Records depois dos Beatles.
A produção era de Paul McCartney, que ouvira o polímata (dramaturgo, arquiteto, compositor e cantor de música folk) Eugene “Gene” Raskin interpretá-la num show em Londres. Raskin havia escrito a canção no início da década e ficou com crédito integral. No entanto, admitiu que se baseava numa melodia ouvida na infância e que pensava ser da tradição popular russa. O original já havia aparecido no filme britânico Inocentes em Paris (Gordon Parry, 1953), cantada por Ludmila Volpato.
Apesar do que acreditava Raskin, a melodia tinha dono e data. Imigrantes russos levaram consigo a canção para a Europa ocidental, onde fez sucesso por anos. Era de Boris Fumin, compositor de músicas românticas, um gênero muito popular na União Soviética da década de 1920 — até o regime stalinista banir o estilo como antirrevolucionário em 1929. A canção se chamava Дорогой длинною (Pela Longa Estrada), foi composta na primeira metade da década de 20, e sua letra final saiu do poeta Konstantin Podrevskyi. Nela, o cantor lembra um romance acabado e o passado que não volta durante uma noite de luar melancólica. E chegamos à primeira versão gravada, de 1925, na voz de Tamara Tsereteli:
Fomin foi herói do Exército Vermelho, mas chegou a ser preso em 1937. Suspeita-se que só foi solto por causa da saúde deteriorada, que finalmente o abateria em 1948. Podrevskyi morreu naquele mesmo 1929 em que foi considerado contrarrevolucionário e o governo confiscou todos os bens de sua família por causa de uma pendência burocrática.
Vivesse naquela União Soviética, Silvio Santos talvez tivesse destino melhor que Fomin e Podrevskyi. Numa entrevista, comentou em seu conhecido estilo “topa tudo por dinheiro”: “Se amanhã eu acordar e me disserem ‘O país agora é comunista’, eu pergunto: ‘Ah bom, é comunista? Então o que é que eu posso fazer para ser o chefe do partido?’ Vou trabalhar do mesmo jeito, não tem problema.” Ou acabaria morto por Stálin. Lará-lará-lará. Não eram bons tempos.
A representação do Buda rechonchudo e risonho vem de um monge Zen-budista chinês do século X conhecido como Budai, a palavra em mandarim para “bolsa de pano”, onde ele carregava objetos que dava de presente às crianças de aldeia em aldeia (como Papai Noel). Imune a dinheiro ou glória, tornou-se querido de todos por sua compaixão, alegria e desapego. Outros monges viam-no como uma encarnação do Buda. Artistas começaram a retratá-lo com seu saco nas costas, cercado de crianças e animais (como São Francisco de Assis), e uma barriga saliente, que simboliza prosperidade e fertilidade na Ásia Oriental.
Separados no berço: Royal Huddleston Burpee, o criador do exercício multifuncional burpee, e Steve Rogers, o Capitão América, na visão anatomicamente ousada do desenhista Rob Liefeld.
O laissez faire durante o governo do ex-ator hollywoodiano Ronald Reagan não se resumia à economia. Entre 1980 e 1988, 200 membros de sua administração foram investigados por infrações éticas e criminais. Um dos maiores escândalos financeiros da história dos EUA, o das instituições de poupança e empréstimos (1986-95), deu-se por negligência dos controles governamentais. A ilegalidade corria solta no mercado financeiro, mas também na máquina estatal mais enxuta, promessa de campanha. Como parte do projeto de venda de moradias públicas, o secretário de habitação e desenvolvimento urbano favoreceu empresas privadas e gente do partido, que embolsou dinheiro destinado ao Tesouro. Indústrias bélicas molhavam regiamente a mão de militares para vender seus produtos às Forças Armadas. A Agência de Proteção Ambiental negligenciou catástrofes ambientais provocadas por empresas e financiou candidatos republicanos em eleições municipais. Enquanto vituperava contra a teocracia iraniana, Reagan vendia armas ao regime e, com o ganho, financiava uma guerrilha de direita na Nicarágua. Uma festa. Até o secretário de imprensa fazia lobby. Felizmente, para o velho caubói das telas, veio o colapso da União Soviética, do Muro de Berlim, e ninguém mais quis falar sobre o assunto.
Aquela panela limpinha e reluzente, de repente, toda queimada por um descuido seu. Nada tema. Encha-a com 200ml de água, 100ml de detergente, uma colher de chá de bicarbonato e outra de vinagre. Ferva tudo, desligue e deixe descansar ali por uns 30 minutos.
Por fora: misture uma solução com uma colher de chá de bicarbonato, duas de sal, e dez de vinagre. Esfregue a sua panela de alumínio com esponja de palha de aço. Depois, enxágue e seu currículo estará tinindo novamente.

Entornando até o bagaço do cacau. Os suíços tramam uma mudança radical no chocolate. Descobriram como adoçá-lo a partir de um xarope feito da polpa da fruta. Para os cacauicultores, isto significa mais fontes de lucro além dos caroços.
A arquitetura musical nas composições de Johann Sebastian Bach costuma ser admirada não é de hoje. Agora, cientistas descobriram também que, quando convertidas em sistemas de informação, essas estruturas se mostram tão eficientes, mas tão eficientes, que conseguem comunicar grandes quantidades de dados com mínimas alterações na rede musical central. Simples, eficiente, e genial.
Para entender profundamente como as mudanças climáticas estão afetando as correntes marítimas em lugares os mais variados e inóspitos, cientistas estão colocando sensores em quem entende dessas rotas: focas.
Segundos de sabedoria
Picolé de umbu é o último que pegam.
Em 2023, os países da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (a trilionária OCDE) doaram mais dinheiro à Ucrânia em guerra com a Rússia do que a todo o continente africano.
O Sudão africano (50 milhões de habitantes, muitos enfrentando fome mortal), que também está em guerra, recebeu no ano o que a Ucrânia europeia (36 milhões de habitantes) conseguiu num mês.
Mosquitos, mosquitos, mosquitos! Ruim com, pior sem.
Embora existam mais de 3500 espécies desse transmissor multitarefa de doenças, ainda se conhece muito pouco do seu lugar nos ecossistemas. O que se sabe, porém, é que eles fazem parte da dieta de peixes, aves, morcegos, e outros insetos. E machos de várias espécies de mosquitos só se alimentam de néctar, o que os torna importantes para a polinização de plantas.
A modéstia era um motivo recorrente na literatura medieval, afinal a humildade era considerada uma das grandes virtudes cristãs. Antes de começar suas histórias, medalhões como Chaucer e Occleve imploravam pelo perdão de seus leitores para sua incompetência. Essa moda retórica só começou a perder força no século XVIII, junto com a paciência do leitor.
No caso do cientista argentino Luis Federico Leloir, a modéstia excessiva não era só pose. Gostava de se descrever listando suas “habilidades negativas”. Demorou a encontrar seu rumo na vida. Aluno regular. Desistiu da arquitetura. Precisou repetir anatomia para passar em medicina. Abandonou a prática médica. Lutava constantemente com a falta de fundos do seu laboratório. Colecionava experimentos fracassados. Achava que seus sucessos na profissão eram acidentais, fruto de erros. Certo dia, escreveu no diário:
Com essa síndrome de impostor braba, Leloir foi o criador oficial do molho golf argentino, Nobel de Química de 1970 (entre outros prêmios) por suas pesquisas sobre o papel dos nucleotídeos de açúcar na síntese dos carboidratos, querido e respeitado no mundo todo e em casa, e ajudou a fundar um pioneiro instituto de bioquímica no seu país. O dia de seu enterro foi de luto nacional.
O afluente coach e influenciador brasileiro Pablo Henrique Costa Marçal tem muitas habilidades. Foi condenado criminalmente por participar de esquema de golpes bancários, levou seguidores ao Pico dos Marins (SP) sob tempo carregado e precisou ser resgatado por bombeiros chocados com a irresponsabilidade, é investigado por lavagem de capitais nas eleições de 2022, é investigado por propaganda irregular em 2024, disseminou notícias falsas sobre as enchentes no Rio Grande do Sul, omitiu milhões na declaração de bens obrigatória à Justiça Eleitoral, lançou um curso de autoajuda com um réu por tráfico de crack e cocaína, divulgou projeto vago de administração municipal, mas não tem problemas de autoestima. É o terceiro candidato mais popular nas eleições municipais da Cidade de São Paulo, animando líderes empresariais e do mercado financeiro.

Problemas possuem chifres para segurar, mas não têm rabos.
Provérbio somáli.
Onde nasci, onde e como vivi, isso não tem importância. O que devia interessar é o que eu fiz com o lugar em que estive.
A pintora Georgia O’Keeffe, chamando a atenção para a obra no lugar da biografia.
Um volume tão grosso não está à altura nem do autor nem do conceito de razão pura, o qual o autor quer opor a uma razão tão preguiçosa como a minha.
O filósofo Johann Georg Hamann, ao receber as quase 900 páginas do original de Crítica da Razão Pura (1781) do amigo Immanuel Kant para revisar.