Edição 38
Muito estranho
Os almanaques eram publicações anuais que traziam de tudo, das fases da lua até remédio para unha encravada. Isto aqui é uma versão em pílulas semanais. Nesta edição: o salto do envelhecimento, o pulo do sapo, rostos estranhos, estranhos familiares, propagandas similares, oráculos em ossos, o sambista reencarnado, e o apelo do sofá.
Mesmo sendo toda-poderosa eminência parda, o tsar da economia ditatorial brasileira Delfim Netto tinha pretensões a suceder o presidente-general Ernesto Geisel, que prontamente podou suas asas.
Separados na reencarnação: o jornalista norte-americano do contra Glenn Greenwald e o compositor brasileiro Sinhô (1888-1930).
Depois do estirão, vem o enferrujão — em duas etapas. Monitorando milhares de moléculas em pessoas entre os 25 e os 75 anos, um grupo de pesquisadores descobriu um padrão de grandes mudanças relacionadas ao envelhecimento geralmente aos 44 e aos 60 anos de idade. (Os metabolismos individuais, claro, interferem nesse ciclo.) É por isso que você acorda um belo dia e todas aquelas rugas e condições de saúde brotaram feito flores no início da primavera. O que causa esses saltos? Excelente pergunta.
Ser mulher é osso. O rei Wu Ding, da dinastia chinesa Shang, quis saber dos deuses, lá pelo segundo milênio antes de Cristo, quais eram os prognósticos da gravidez de uma sua consorte, a futura deusa Fu Hao. Fez o que todo monarca da dinastia Shang que se preze costumava fazer: inscreveu num osso de animal a pergunta. Uma vara de bronze fumegante era aplicada ao osso oracular; e as rachaduras resultantes, interpretadas como resposta. No caso de Wu Ding, o evento seria positivo se a criança nascesse em determinadas datas. Não nasceu, e o resultado também foi registrado no osso: “O parto não foi um evento feliz. Foi menina.”
Assim como a escritora Patricia Highsmith, a atriz Gena Rowlands inteirava o orçamento no início da carreira escrevendo roteiros para quadrinhos. No caso de Rowlands, histórias para a revista O Crime Não Compensa em 1952-53.
Péricles de Andrade Maranhão, porém pernambucano, saiu com o lápis e a coragem para o Rio de Janeiro. A depressão foi junto. Na revista O Cruzeiro, criou um dos maiores personagens dos quadrinhos brasileiros, O Amigo da Onça (1943-61), um sujeito que fazia jus ao nome em gags perfeitas de um painel. O artista saía pelas ruas da capital federal buscando inspiração na conversa com prostitutas, malandros, motoristas, gente em geral. “Fiado só amanhã” é obra sua. A melancolia alcançou-o aos 37 anos, quando abriu o gás do forno e se deitou na cozinha vazia de seu apartamento. O humor fino do homem sisudo esteve com ele também até o fim. “Não risquem fósforos”, escreveu num bilhete à porta. Encontraram-no vestido como seu famoso personagem. Este 2024 é o ano de seu centenário.
Eram 353 pessoas em coma provocada por traumas físicos, ataques cardíacos, ou derrames. Durante sessões de ressonância magnética e eletroencefalograma, receberam instruções, repetidas umas seis vezes, para se imaginarem jogando tênis ou abrindo e fechando as mãos. Cento e doze dessas pessoas exibiram atividade cerebral durante esses testes, mesmo com o corpo imóvel. É o que se chama dissociação motora cognitiva. Em comum nesse grupo: eram mais jovens e viviam com esses traumas há mais tempo.
A artista alemã Carlotta tem prosopagnósia. Ela não reconhece o rosto alheio nem o seu próprio. Passou anos de sua vida sem que essa condição neurológica fosse diagnosticada. Como achava que todo mundo era igual, enfrentou sérios problemas desde a infância. Perseguiu trabalhos que lhe permitissem o mínimo de contato pessoal, como de caminhoneira ou cavalariça. Os filmes de ficção científica com não-humanoides eram os mais fáceis de acompanhar. Aos 40, depois de descobrir sua condição, Carlotta passou a fazer autorretratos tocando no próprio rosto para identificar aquela “paisagem acidentada” com os dedos.
No mundo, uma em cada 33 pessoas pode se encontrar em algum ponto do espectro de prosopagnósia segundo estimativa mais recente. O neurologista Oliver Sacks era um deles. O ator Brad Pitt é outro.
Já aqueles que sofrem de prosopometamorfósia veem rostos tão monstruosos quanto este nome-colagem. Às vezes, essa distorção só acontece em determinado ângulo ou em um hemisfério da face; noutras, é o rosto todo que se deforma aos olhos. Ao contrário da prosopagnósia, não parece ser hereditária, manifestando-se após lesões provocadas por doenças como mononucleose ou a retirada de um tumor. Ainda há poucos estudos e muitas perguntas sobre a prosopometamorfósia, mas ela tem tratamento. Se você sofre desse distúrbio, pode contatar pesquisadores aqui.
O presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira, tem distagmagnósia (do grego distagmós, “escrúpulos”). Ele atropelou regras, ampliou o desequilíbrio entre os três poderes, pautou projetos que iam contra os interesses da sociedade: equiparação de aborto por estupro a homicídio, aumento do poder do Congresso sobre Conselho Nacional do Ministério Público, elevação injustificada de valor de benefícios sociais em ano eleitoral, aumento do volume de emendas parlamentares sem transparência. Porém, quando uma maioria na Câmara (300 deputados) posicionou-se pela investigação dos cancelamentos unilaterais de contrato pelas empresas de planos de saúde, ele fez ouvidos moucos sem maiores explicações.
Estratégias do candidato a presidente dos EUA Donald Trump para monopolizar a atenção em 2024
Usar a linguagem das redes sociais de alto impacto com alta frequência
Tornar seus problemas com a Justiça num espetáculo onde faz o papel de mártir
Dizer coisas chocantes como “Você só vai precisar votar em mim uma vez”
Transformar o atentado contra sua vida e outros reveses na oportunidade de uma foto ou em teorias conspiratórias
Tripudiar dos problemas cognitivos do então adversário Joe Biden, criando uma cortina de fumaça sobre os seus próprios
Processo de escolha do vice-presidente JD Vance no estilo reality show
Estratégias da candidata a presidente dos EUA Kamala Harris para monopolizar a atenção em 2024
Usar a linguagem das redes sociais de alto impacto com alta frequência
Contrapor os problemas na Justiça de Trump com o seu histórico de promotora
Reempacotar as frases chocantes dos republicanos como ‘coisas esquisitas’ (weird em inglês)
Apropriar-se de uma teoria conspiratória de humor sobre Vance (sexo com um sofá) para fazê-lo cair no ridículo
Processo de escolha do vice-presidente tornado num reality show
Opção por Tim Walz, um vice-presidente bonachão e escolado no uso de redes sociais
Foi Walz quem criou o meme-símbolo da campanha Harris ao chamar seus oponentes de “gente estranha”. Porém, foi um internauta anônimo (@rickrudescalves) quem levou a tendência adiante com uma postagem, na rede social XTwitter, contendo uma citação (falsa) do livro de memórias de JD Vance em que o político teria confessado relações carnais com um sofá. A mensagem viralizou e a agência Associated Press apressou-se em desmentir a informação. O problema: embora essa história não exista no livro, não é possível dizer que ela nunca aconteceu. E a Associated Press teve que tirar sua checagem do fato do ar. A pecha de terror dos sofás, porém, ficou.
Pesquisadores da Universidade Federal de Ouro Preto estavam perplexos com a proliferação de sapos e pererecas no entorno. Afinal, anfíbios são extremamente sensíveis a alterações no ambiente e o Quadrilátero Ferrífero sofre com a poluição por arsênio das mineradoras instaladas na região. O que estava havendo? Bactérias. Por meio de experimentos, descobriram que a microbiota que encapa a pele desses répteis era tolerante à substância, uma vitória evolutiva dessas bactérias, e capaz de proteger seus hospedeiros do envenenamento. Mas atenção: períodos de seca prolongada enfraquecem essa camada viva e põem os batráquios em risco!
Em 2020, no início da pandemia de covid-19, o site de notícias UOL publicou um dos títulos mais estranhos do jornalismo brasileiro.
Segundos de sabedoria
“O inimigo do meu inimigo” não é uma equação lógico-matemática.
É isso o que digo: você que vai lá na Globo, vai no supermercado fazer suas compras, não esqueça de passar na minha quitanda.
O apresentador e empresário Silvio Santos, contando em entrevista de 1987 como via de forma pragmática a concorrência entre o seu SBT e a Rede Globo.
Deus fez a mulher de uma costela de Adão / Quando foi fazer você, fez do filé mignon
Douglas César e Luan Santana, na canção Check-In (2017).
O rapper, produtor e embaixador informal dos Estados Unidos Snoop Dogg, durante evento nas Olimpíadas de Paris em 2024.